quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Sonho, de Igor-Pablo


SONHO
Dormi e nada me lembro do sonho que tive
Se é que tive.
Talvez os sonhos se expliquem melhor
Quando estamos acordados
Já sinto o cheiro do café
Peguei o copo
Bebi a manhã

Poderia, muito bem, escolher algum poema dentre os que geralmente a preferência daqueles que conheço se direciona. Dentro dessa lógica, seria provável que escolhesse “Botas-calçadas-de-concreto” (o que aliás não critico, já que se trata de um ótimo poema), porém não posso deixar de olhar para esses versos que já vem logo ali, cruzando a rua ou o pasto.  
O poema vem e consegue, sem fajutismos, nos situar em uma atmosfera onírica, visto que ele mesmo é um sonho. Todavia, é sonho que ocorre, por se estar bem desperto, acordado, ou melhor, (desculpem o trocadilho) em estado de acorde. Flashback: O eu lírico menciona ter dormido e possivelmente sonhado (Em caso afirmativo, isso implica dizer que o eu-poético saiu de um sonho para entrar em outro).
Sonho, em si, constitui, como tenho dito, isso mesmo que o título nos indica, mas tal afirmação não impede que a voz do poema se direcione para a realidade: “Talvez os sonhos se expliquem melhor/ Quando estamos acordados”. Aliás, é justamente essa a ideia externada pelo eu-lírico: o onírico dialoga com o real. Semelhantemente, a existência até certo ponto metafórica ou abstrata de um poema, se bem estabelecida, muito pode expressar, significar em relação à realidade dos mais variados campos temáticos. Digo se bem estabelecida, só para enfatizar, como bem lembra Maiakóvski: “Hoje/ os maus versos/ são milhões./ Os bons dão muito trabalho” (Vida e Poesia, Martin Claret. Trad. Daniel Fresnot. 2006. p. 170).
 Sim, o trabalho poético interpreta, representa, põe seu olhar crítico sobre o real. Não esqueçamos que além de tudo isso, a arte poética reinventa a realidade. Dá-nos um ótimo exemplo dessa prática o eu-lírico através da imagem que ao final do poema é construída (“Peguei o copo/ Bebi a manhã”), imagem essa resultante de uma estilística envolvente.

Wesley Costa

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A FACE DE UM ACORDE





Este Acorde, sim, tem um rosto. A menos que seu destino só angarie uma e somente uma edição. Ao destino, o futuro. Entretanto, venho aqui partilhar uma linha ou outra sobre esta capa. Nada de mais. Surgida quase sem querer, me atrevo inclusive a acreditar que existe certa relação entre os atos-de-criação-peso-líquido desta antologia, com os mesmos que basearam esta intenção gráfica de ilustrar algo como a poesia.

Neste nosso ambiente dedicado às hermenêuticas e fenomenologias possíveis, consegui (e para quem...) enxergar um sentido em todas estas linhas e curvas contornos de letras que sujam uma base de escuridão. São prolongamentos, e ao mesmo tempo, constituintes do nome da obra, primeiramente em instabilidades na cor branca, depois num equilíbrio navy. O efeito novelo foi uma experiência, e nem por isso inválida.

Quando da oportunidade de entender a capa que tínhamos feito, vieram-me algumas reflexões sobre que tipo de força jovens poetas (e por extensão, jovens artistas) têm num meio de acordos e relações. Por um lado, não existimos, pela falta de audiência da recepção, e de impostura, pelo escritor ainda tão afeito a textos silenciosos numa folha em branco, que mais chiam que roncam (ou ronronam); por outro, as “relações” são necessárias e, diria mais, essenciais, pois poucos artistas, consagrados ou não, têm o sentimento e voz quista para suportar uma única revelação literária. Precisa-se de mais alguns, para que o livro que vem vindo se constitua, factualmente, presença, não simplesmente, estadia.

Quis eu, com o supracitado, lembrar desavisados que as preferências são relativas; os processos são relativos; os contextos são relativos; as experiências são relativas; as construções são relativas, e mesmo as diferenças, em sua fração de similaridade, são relativas. Acorde, a começar pela capa, significa valorização das experiências, não como teste, mas como adição e aprendizado; também não quero dizer que se trata dum livro franksteinesco, e muito menos dum sofisticado e geneticamente acurado clone (à espera de morte prematura?). Trata-se de um elemento primordial e diverso, pronto a se fragmentar e condensar-se em outros corpos celestes. Nem por isso perdem sua beleza, seu encanto, seu mistério, sua lição, seu segredo. No fim, acabamos nos calando, seja qual for o efeito que a criação nos causa. A obra, humana ou divina, atrai a necessidade de compreensão, ou apreciação, no mínimo. Diria Sartre, só existe arte por e para outrem.
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